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O RITO DO SAIRÉ

O ritual chamado Sairé que acontece em Alter do Chão há mais de 300 anos passou por vários processos históricos que o transformaram ao longo do tempo. A influência dos colonizadores nos costumes e tradições locais foi talvez o mais impactante deles e que nos traz para a versão do Sairé de hoje, onde observamos a festa como espetáculo e não somente como rito religioso.

Apesar da introdução de novos símbolos e exclusão de alguns outros, a festa do Sairé sempre procurou manter boas relações com o pároco e parte dos ritos, inclusive, acontecia dentro do espaço da Igreja. Hoje em dia há um distanciamento maior e o Sairé ocupa as ruas e um espaço próprio que é construído todos os anos pelo próprio povo de Alter do Chão.

O Sairé de fato inicia já na busca por madeira e palhas, num evento conhecido como “puxirum”. Um aglomerado de pessoas que entram na mata para coletar os materiais que servirão de matéria-prima para a construção do “Barracão do Sairé”. Esse local será utilizado durante todo o mês de setembro e vai abrigar o símbolo do Sairé e todas as etapas do rito religioso.

Quando a estrutura de madeira está pronta e as palhas já estão trançadas, há um segundo ritual conhecido como “cerimônia da cumieira”, onde fogos de artifício são disparados ao céu como forma de comemorar a montagem do Barracão.

Finalizada a etapa de construção do espaço do Sairé, a comunidade começa a se preparar para a escolha dos troncos de madeira que serão utilizados na festa. Esses troncos serão os mastros durante as festas: um para os homens e outro para as mulheres.

Uma equipe é destacada para dentro da mata em busca dos troncos. Após a escolha, que se dá de forma coletiva, uma grande Piracaia é oferecida na praia para todos que participaram desse momento. Os troncos escolhidos são deixados na mata e uns dias depois haverá mais uma etapa do Sairé: a busca dos mastros.

O PREPARO DO TARUBÁ

Faz parte do ritual do Sairé uma bebida sagrada com raízes indígenas amazônidas chamada “tarubá”. Essa bebida é resultado da fermentação da mandioca, num processo que dura vários dias e envolve o trabalho de diversas pessoas. O tarubá tem gosto adocicado, coloração terrosa e possui teor alcoolico natural, resultado da fermentação. A bebida anima e dá gosto à festa. Ela é distribuída gratuitamente em copos ou cuias e provoca a conexão direta entre o divino e a Vila de Alter do Chão. Uma espécie de canal de comunicação natural.

A ESCOLHA DOS MASTROS NA MATA (PROCISSÃO FLUVIAL)

A busca envolve todos os símbolos e pessoas que fazem parte do rito religioso. Uma procissão sai primeiramente a pé e em seguida de forma fluvial para buscar na mata os mastros do Sairé.

A procissão fluvial conta com a participação maciça das catraias, pequenas embarcações de madeira que ao longo do ano servem de meio de transporte para quem quer fazer o trajeto Vila – Ilha do Amor.

Os catraieiros ornamentam as catraias com fitas coloridas e juntos, no rio, formam fileiras imensas na traseira das embarcações maiores que levam a corte e o arco do Sairé. Saem formando um maravilhoso balé que singra pelo Lago Verde em direção à mata. Quando retornam, trazem com eles os mastros que descansarão por uma semana na Ponta da Gurita, mais conhecida como “Praia do Cajueiro”.

ALVORADA

Na madrugada do primeiro dia da festa do Sairé, mais precisamente às 4h da manhã, foliões ocupam as ruas em procissão, entoando rezas e cantos na casa do Procurador e Procuradeira, Juiz e Juíza do Sairé. A Alvorada simboliza um chamado para que essas pessoas despertem, pois o Sairé já começou.

A BUSCA DOS MASTROS NA PRAIA

Uma semana após a busca dos mastros na mata, uma nova procissão acontece na Vila. Partindo do barracão do Sairé, descendo em direção à praia, seguem o rito religioso e a população em geral. A participação ao público é permitida e todos acompanham a procissão que é embalada por batuques do grupo musical “Espanta Cão”.

Ao chegar à Ponta da Gurita, os dois mastros são retirados da areia e conduzidos pelos mordomos e mordomas. Os mastros seguem em procissão até o Barracão.

LEVANTAÇÃO DOS MASTROS

A partir das 8h da manhã inicia o ritual de levantação dos mastros. Primeiramente, a comunidade ajuda na ornamentação desses símbolos utilizando a murta (folhagem comum em Alter do Chão) para cobrí-los. Em seguida, são penduradas frutas em volta de todo o mastro, simbolizando a fartura. Na ponta de cada um, é levantada uma bandeira com a imagem do Divino Espírito Santo. A bandeira dos homens é da cor branca e das mulheres da cor vermelha. Após esse ritual, inicia-se uma disputa animada entre homens e mulheres para saber se o mastro do juiz ou da juíza será levantado primeiro.

LADAINHAS

As ladainhas dentro do Sairé são resultado do sincretismo entre a religião católica e as manifestações culturais indígenas. Ladainhas são cânticos religiosos que acontecem dentro do barracão do Sairé. Geralmente são em homenagem ao Divino Espírito Santo e à Nossa Senhora da Saúde. São entoadas apenas por mulheres, geralmente idosas, que usam blusa e saia branca.

BEIJA-FITA

Muitos ritos foram sendo, ao longo do tempo, introduzidos na festa do Sairé. Um deles foi a cerimônia do Beija fita. Trata-se de uma coroa de prata que é conduzida pela juíza durante a procissão. A coroa é posicionada ao lado do símbolo do Sairé, dentro do barracão, durante toda a festa. À noite, após a ladainha, a coroa é posicionada à frente do arco do Sairé e canções são entoadas por todos os presentes. Na coroa, estão penduradas fitas coloridas que recebem os beijos durante a cerimônia.

CECUIARA

A Cecuiara é um momento de partilha de alimentos que acontece dentro da festa do Sairé. Para esse evento, os organizadores da festa convidam os prováveis juiz e juíza do ano seguinte. Por isso, um almoço de confraternização é oferecido à eles e à corte do Sairé que dá seu aval para os nomes apontados.

DERRUBADA DOS MASTROS

A festa do Sairé termina com a cerimônia de derrubada dos mastros. Em frente ao barracão, ao redor dos mastros, o rito religioso executa uma pequena procissão em círculo ao som dos foliões do Sairé. Em seguida, inicia-se o processo de derrubada dos mastros. Nesse momento, entram em cena dois homens que, utilizando peconha nos pés, sobem no mastro e recolhem as frutas que estão penduradas. A medida em que vão arrancando, arremessam para o público presente, proporcionando um momento de muita diversão. Após chegar ao topo e alcançar a bandeira, descem e entregam aos novos juiz e juíza que estarão à frente da festa no ano seguinte. A partir daí, inicia-se a disputa entre homens e mulheres para saber quem consegue levar primeiro ao chão o mastro. Munidos de um terçado, mordomos e mordomas se revezam na tentativa de derrubar o mastro.

VARRIÇÃO

Após a derrubada dos mastros, inicia-se uma comemoração pelo êxito do Sairé. Os componente do rito religioso aproveitam para dançar, cantar e beber tarubá. A população em geral é convidada a participar da festa que conta com a participação do grupo “Espanta Cão”, entoando canções animadas.

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